Após um período de espera que parece interminável, tanto para os futuros pais como para as crianças que estão nas casas de acolhimento, chega o momento tão desejado de conhecer aqueles que serão seus pais ou, no caso do(s) pretendente(s) seus filhos.
Mas crianças não vem com "manual do usuário", logo não é possível prevê como será a reação dela ao conhecer aqueles que pretender ser seus pais, apesar do desejo latente de ter uma família. Os pais, por sua vez, precisam aprender a lidar com as necessidades daquela criança, seus histórico de vida e sua condição emocional atual. De maneira alguma pode-se dizer que é um processo fácil ou trivial para ambas as partes envolvidas.
Para garantir o bem estar da criança e uma adaptação saudável é que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), prevê nos artigos 46 e 167 um período de adaptação das partes, conhecido como "Estágio de Convivência". Essa etapa é obrigatória para adoção de crianças de qualquer idade, sendo o tempo determinado pelo juiz responsável.
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.
§ 1o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Art. 167. A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência.
Parágrafo único. Deferida a concessão da guarda provisória ou do estágio de convivência, a criança ou o adolescente será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
A importância e valor deste período para um processo de adoção bem sucedido, é mencionada por Roberto no trecho abaixo:
"O estágio de convivência é de suma importância, pois permitirá que haja, antes da adoção, um relacionamento íntimo entre o adotando e adotante, possibilitando a este chegar à plena convicção de consumar a adoção, desde que a adaptação das partes seja adequada." (ELIAS, Roberto João, 2004, p. 43).
Nesta fase de adaptação, ocorre um acompanhamento aos envolvidos, especialmente do menor que está nessa mudança extrema. Assim, pondera Bordallo:
"Da mesma forma, este acompanhamento se presta à verificação quanto à adaptação do adotando à família substituta. Enfatizamos não bastar a escolha do adotando pelo adotado. A adoção se reveste de alta relevância sociojurídica, de óbvios reflexos na vida dos envolvidos, que, como seres humanos, trazem sentimentos, vontades, traumas, ressentimentos." (BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, 2010, p. 243).
Este acompanhamento permite ao menor e ao adotando optar pela desistência da adoção, visto que não ocorreu a sua formalização, como também, pode o magistrado, até mesmo, em situações extremas, cancelar a guarda e indeferir a adoção, levando sempre em consideração o que for melhor para o interesse da criança ou do adolescente.
"Podemos dizer, sem qualquer sombra de dúvida (...), que a adoção é sempre via de mão dupla, que pais e filhos se adotam e não os pais aos filhos[...]" (BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, 2010, p. 197)
No entanto, a possibilidade de desistir do processo de adoção não dá aos adotantes direito de, de maneira injustificada e inescrupulosa, devolver o menor sem motivação fazendo com que a criança ou adolescente sofra com a rejeição novamente. Na adoção, os adotantes devem ter atitude madura para exercer a paternidade de um filho do coração, é o que afirma Bordallo:
"Através da adoção será exercida a paternidade em sua forma mais ampla, a paternidade do afeto, do amor. A paternidade escolhida, que nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira, é a verdadeira paternidade, pois a paternidade adotiva está ligada à função, escolha, enfim, ao desejo. Só uma pessoa verdadeiramente amadurecida terá condições de adotar, de fazer esta escolha, de ter um filho do coração." (BORDALLO. Galdino Augusto Coelho, 2010, p. 197).
Uma vez encerrado o estágio de convivência e estando ambas as partes de acordo, é formalizada a adoção do menor. Não sendo mais possível desistir ou simplesmente devolver o menor, visto que a adoção torna-o filho e esta condição é irrevogável. Tal ação (devolução do filho adotivo) está sujeita a punição prevista no código civil.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL. Código Civil, 2002).
Portanto, aquele que injustificada e inescrupulosamente devolve uma criança adotada comete ato ilícito e submete-se a pena de reparação por dano moral. Vale salientar que nenhuma reparação financeira reparará a moral, o orgulho e a dignidade da criança/adolescente que foi rejeitada novamente.